Sentimentos vivos

*Felipe Pereira


Certa vez, quando eu viajava pelo estado do Mississippi, estacionei minha caminhonete em um bar na Highway 61. Uma banda tocava algumas canções de B. B. King, alguns homens no canto do bar jogavam sinuca enquanto algumas garçonetes serviam bebidas a eles. Fui adentrando o estabelecimento até chegar em um banco diante do barman. Pedi uma Budweiser, deixei o blues tocar a minha alma. Eu estava perdido em pensamentos, apenas relaxando com a música. Até o momento em que um homem me abordou:

 - Noite boa, amigo. – Disse-me o estranho.

 - Boa demais.

 - Ei! Manda mais duas. – Falou o recém chegado para o barman.

 - Vem aqui com frequência? – Perguntei, por educação.

 - As bandas que tocam aqui são boas. – Respondeu simplesmente.

 - Por que está aqui? – Eu quis saber.

 - Um homem precisa de amigos para beber.

 As cervejas chegaram e ficamos um tempo em silêncio, a banda era realmente boa. O estranho interrompeu meus pensamentos.

 - Sabe, uma vez eu conversei com meus sentimentos.

 - Isso é possível? Sentimentos são para sentir e não conversar. – Com certeza a bebida já havia afetado o cérebro daquele homem.

 - Não, cara. Eles se manifestaram na minha frente. Quando fiquei com raiva, uma versão minha raivosa surgiu diante de mim, quando fique feliz, uma versão alegre apareceu, da mesma maneira quando fiquei triste por minha mulher ter me deixado. – Ele ficou pensativo por alguns momentos, - Não acredita em mim, né? – Falou finalmente.

 - Isso tudo é loucura, como sentimentos podem se transformar em representações de nós mesmos, assim do nada? É uma brisa enorme.

 - Realmente não sei como isso aconteceu, mas foi esquisito. Quando eu fiquei raivoso, a minha representação desse sentimento me mandou destruir tudo e riu desdenhosamente quando eu obedeci seus comandos. A Raiva mandou eu pegar uma faca e perfurar alguém com ela, o que eu senti no momento era mais forte que minha vontade, quase furei alguma pessoa, minha sorte foi que encontrei o meu cachorro e perfurei ele. O miserável morreu quase instantaneamente. E então, a Raiva desapareceu com gargalhadas triunfantes.

Eu não sabia se deveria acreditar nele, a história que ele contava era surreal para ser verdade, mas eu já vi tantas coisas estranhas neste mundo que algo como isso não me surpreendia demasiadamente. Meu companheiro de bebida me avaliava para ver se eu estava acreditando ou não.

 - Foi só isso? – Eu falei para não deixa-lo constrangido.

 - Não. Meu segundo sentimento foi a Alegria, ela apareceu quando minha filha nasceu. Essa minha versão era radiante como o sol. Foi a que desapareceu mais rapidamente, ela simplesmente me disse para aproveitar as coisas boas da vida; e quando eu sorri em resposta, ela se foi.

 - Dizem que as emoções boas se vão mais depressa do que as tristes.

 - Ah, Tristeza! Essa realmente demora para ir embora. Às vezes acho que ela ainda me persegue, quando estou andando distraído vejo-me chorando pelos cantos. Ela apareceu depois que minha esposa me deixou e levou minha filha. Eu tentei expulsar essa minha emoção da minha vida, mas ela continuava lá, todos os dias, sempre chorando e gritando de desespero, até que um dia ela falou comigo. “Pegue a sua arma na gaveta e atire na cabeça, acabe com esse sofrimento”, ordenou. Eu não queria fazer isso, mas foi mais forte do que eu, então peguei a arma e apontei para meus miolos.

 - Como você fez para não puxar o gatilho? – Fiquei curioso de verdade.

 - Não fiz nada, simplesmente disparei.

A confusão me invadiu por completo, levantei-me para ir ao banheiro clarear a mente, como esse homem poderia estar vivo se estourou os miolos? A única explicação aplausível era que ele estava bêbado demais. Quando voltei para o banco, o estranho havia desaparecido. Chamei o barman:

 - Você sabe o que aconteceu com o homem que estava aqui?

 - Não havia ninguém aí, você estava falando sozinho o tempo todo.

Saí do bar e entrei na caminhonete, e fiz um juramento de que nunca mais iria beber uma gota de álcool na vida.

*Estudante de contabilidade e morador de Nova Andradina

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