Os indígenas Ofaié: antigos moradores de Nova Andradina

*Eduardo Martins


Em comemoração ao Dia Municipal do Índio Ofaié, foi lançado no dia 20 de abril de 2012, o carimbo comemorativo. De formato circular, o carimbo traz ao centro a imagem de um índio Ofaié, circundado pelos dizeres Dia Municipal do Povo Ofaié Xavante – Correios – Nova Andradina/MS - 20 de abril de 2012. O Carimbo assinala o reconhecimento da presença dos Ofaié, nação de hábitos de coleta e caça, que sempre habitou a margem direita do rio Paraná, fixando suas aldeias onde hoje se encontra o municípios de Nova Andradina e em todo vale do Ivinhema.

Aproveito essa data comemorativa, 20 de abril, para apresentar um pouco da história desse povo que muito antes de Nova Andradina se tornar município, ainda nos séculos XVIII e XIX e adentrando o século XX, vivia aqui uma nação indígena, o povo Ofaié. Esta civilização habitou todo o território do Vale do Ivinhema, o registro mais antigo da sua presença data de 1700, em relatos dos exploradores paulistas que desciam os leitos fluviais dos rios Tietê, Paraná e Ivinhema e por aqui chegavam em suas jornadas monçoeiras. No entanto o contato mais próximo e humano aconteceu pelo etnólogo alemão Curt Nimuendaju (1883-1945), no ano de 1917 é, portanto, por meio dos relatos e da convivência dele que sabemos sobre a presença indígena Ofaié nesse lugar onde hoje é Nova Andradina, além de Nimuendaju, o Marechal Candido Rondon (1865-1958), também Darcy Ribeiro (1922-1997), os Memorandos dos funcionários e inspetores do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e o professor Carlos Alberto Dutra, legaram valiosas informações sobre a presença desses indígenas por aqui.

A população Ofaié era estimada em duas mil pessoas até o final do século XIX, em 1924 já eram menos de duzentas pessoas, vítimas dos massacres das frentes pioneiras e colonizações dessas terras por empresas e fazendas agropastoris que os expulsaram. No ano de 1953 estavam reduzidos a sessenta pessoas, Marechal Rondon diz que se deparou com Ofaié escravizados pelos fazendeiros dessa região.

Os relatos e levantamentos realizados a partir de 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), apresentam informações que foram recolhidas pelos funcionários desse órgão sobre o modo de vida dos Ofaié. O explorador Alberto Vojtec Frič (1882-1944) encontrou com um grupo Ofaié, no ano de 1901, anotou o filósofo, tcheco que eles possuíam dois tipos de habitação, durante a estação da seca eles vivem às margens do rio ou próximo das águas. Os campos são deixados de lado por causa dos mosquitos e carrapatos é a estação da pesca e das grandes festas religiosas e sociais, porém, era na estação da seca que os Ofaié ficavam nas grandes casas permanentes onde moravam juntas várias famílias. Ao redor da aldeia, observou a existência de pequenas plantações de mandioca. Na estação das chuvas, diz Frič, que toda a população vai caçar os animais selvagens que debandam por causa dos mosquitos nos campos. No ano de 1948, um grupo foi encontrado por Darcy Ribeiro na margem esquerda do ribeirão Samambaia, na sua confluência com o rio Ivinhema.

Os indígenas exploram, então, em seu território, construindo abrigos provisórios para passar a noite. Nos períodos de frio, protegem-se cavando a terra e acumulando montes de terra onde faziam o fogo. No chão da cabana cavavam uma cova que era forrada de capim seco onde dormiam. No centro do círculo dorme o chefe do grupo, a seguir vêm as mulheres e crianças e, finalmente, os homens, sendo que estes deitam com a cabeça voltada para o meio do círculo, assim vemos que os Ofaié não tinham o costume de dormir em redes, pois suas casa não tinham paredes consistentes, apenas um teto de palmeira que atinge até o chão, muito pequenas medindo cerca de um metro de altura pela mesma medida um pouco mais ou menos de profundidade, são sustentadas por galhos de árvores rudemente arrancados. A rede é uma característica dos povos da floresta.

Entre as armas produzidas pelos Ofaié, o arco e flecha se apresentam como o elemento da cultura material que mais se destaca. O arco é feito de cabriúva, madeira pardo-escura, pesada e resistente, ou o pau-roxo, a mais utilizada, a corda do arco é feita com fibra da palmácea bocaiúva ou da herbácea caraguatá cuja folha se parece com a folha do abacaxi. A preparação desta fibra, que exige certo trabalho – pois um feixe dele deve ficar alguns dias submersos em água para liberar as fibras que são utilizadas como corda – é realizado com habilidade pelas mulheres. As flechas para caçar eram longas, medindo cerca de 1,60 m, sua haste era feita de um caniço (taquari), as pontas das flechas tinham por volta de 60 farpas. As flechas de guerra possuem ponta de osso. A emplumação das flechas de guerra era feita de pena de urubu e a das flechas de caça de pena de mutum ou gavião. Também utilizavam flechas com emplumação tangencial de pena de arara, presas com linha de algodão. As pontas das flechas são talhadas em cerne de madeira muito dura, geralmente o alecrim da mata e polidas. As flechas rômbicas são usadas para caçar pássaros e medem 1,15 m. a ponta rombuda tem finalidade de provocar uma forte batida; com o choque o pássaro fica atordoado e cai no chão. A flecha farpada é para a pesca e pequena caça, e mede 1,24 m. Estas flechas possuem farpas e quando atinge o animal, dificilmente ele sai, atrapalhando sua fuga o que facilita a sua preia. A flecha lancetada com ponta de osso ou metal é usada como arma de defesa e para caça de grande porte. (DUTRA, 2011). As bolsas eram feitas de cordel com malhas pequenas de crochê feitas pelas mulheres.

Os Ofaié são descritos como de estatura pequena, tímidos e de índole extremamente pacífica – viviam se deslocando em seu vasto território para buscar argila para panelas; para buscar mel; para buscar taquara para as flechas ou pupunha para os arcos.

Esse povo dominou o fabrico de canoas que eram construídas de madeira de peroba cavada no tronco inteiriço, medindo 9 m e meio de cumprimento e quase um metro de largura na linha mestra. Os Ofaié faziam bom uso de canoas tanto para o transporte de suas mudanças e viagens de uma aldeia para a outra, como na caça ao peixe e aos demais animais terrestres. Também se alimentavam de larvas conhecidas como corós, que faziam crescer nos troncos podres das árvores, fonte rica em proteína animal, esses corós eram torrados antes de serem comidos, além da coleta de mel e frutas silvestres. A bebida preferida dos Ofaié era o cauim, bebida de milho fermentada, todas as mulheres da aldeia debulhavam o milho e socava os seus grãos em grandes cochos de madeira, adicionando saliva na massa para que alcançasse a fermentação da bebida, eles também apreciavam fumar cachimbo que eram esculpidos em madeira.

O método de obtenção do fogo praticado pelos Ofaié era o da fricção da madeira, o bastão ou pau-de-fogo é fino e reto, e feito de um galho de brejaúva (pau-preto ou roxinho) o mesmo usado para a confecção do arco. O índio fazia um entalhe num pedaço de madeira e firmava a madeira no chão com o pé. Depois, com outro pedaço de madeira reta e fina, sua ponta era insertada no entalhe num ângulo vertical, sendo rapidamente girado com firmeza e pressão. Nesse processo, as mãos deslizam para baixo e rapidamente sobem para a ponta superior do bastão, num trabalho constante até esquentar o entalhe e começar a sair faíscas de fogo. Colocavam folhas secas próximas às faíscas e o fogo era aceso.

Segundo Darcy Ribeiro, educador, político e antropólogo, que conviveu com um grupo de Ofaié, na margem esquerda do ribeirão Samambaia, no ano de 1948, diz que os Ofaié tinham o hábito de furar as orelhas e os lábios. As crianças ganham logo cedo dos pais um parelho de flechas para as provas que se realizavam todas as tardes entre o grupo. A iniciação à idade adulta se realizava com disputas de provas com flechas e tacapes, durante vários dias, depois destas cerimônias podiam ingressar nos grupos de adultos, fazer a guerra e tomar mulheres. As meninas levavam uma vida à parte, junto das mães, ajudando nos afazeres domésticos, na colheita de frutos e raízes, na preparação da chicha e da fibra de folhas de palmeira de bocaiúva para a fabricação de cordas para os arcos e de tangas femininas, os homens viviam, preferencialmente, nus.

Para enterrar seus mortos os Ofaié os levavam a um lugar distante, cavavam dois profundos buracos distantes de um metro e os ligavam pelo fundo. Cobriam esta cova com lascas de madeira dura e lá depositavam o morto enrolado numa esteira, de modo que a cabeça ficasse voltada para o nascente. Colocavam, depois, outras achas de madeira sobre o cadáver e só então o soterravam.

O mito da criação Ofaié diz que sua origem vem dos gêmeos Kytewé Ximba, o sol e Kytewé Geté, a lua, a eles se atribui a criação dos homens; a lua é engolida por uma ema, sendo salva pelo sol. Noutra explicação eles são retratados como rivais, sendo que a lua procura proteger os homens enquanto o sol os persegue, assim os homens se revoltam contra o sol e tentam matá-lo o que resultaria na transformação dos homens maus em caças e na criação das grandes matas, o sol teria castigado os Ofaié, cercando-os com fogo, o que os tornou mais morenos que outros índios; resultando, então, da luta dos homens contra o sol a origem das caças e das matas.

Estes são pequenos fragmentos da história da presença do povo Ofaié que habitou o lugar onde hoje é o município de Nova Andradina-MS. Muito antes da chegada do homem branco e das frentes agropastoris que ora escravizavam, expulsavam ou matavam pela posse das suas terras, para que o espaço fosse ocupado pela criação de rebanhos ou lavouras.

O povo Ofaié vivia em harmonia com a natureza e com outros povos que aqui passavam. Certamente no lugar onde hoje temos uma justa e bela homenagem a esse povo, na praça Brasil, em que encontramos uma representação arquitetônica simbolizando o arco e a flecha, considerado “os mais belos” que a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, tinha visto, no ano de 1905.

Concordando com a ideia de que história é memória, esse monumento construído e dedicado ao povo Ofaié vem fazer justiça à história de uma civilização que precedeu a atual, que aqui habitou, fazendo desse lugar onde hoje é Nova Andradina-MS seu espaço de convívio, lazer, práticas culturais e funerárias, festas, convívio social e humano, enfim, sua moradia.

Resta, por fim, dizer que atualmente (2019) o povo Ofaié se encontra vivendo numa aldeia, denominada Enodi, reserva da FUNAI, localizada no município de Brasilândia-MS, contando com uma população de 110 indivíduos de três etnias; Guarani, Kaiwá e os próprios Ofaié, que contam com 35 pessoas. E na medida do possível ainda mantém sua cultura, tradição, costumes e, sobretudo, resiste!

*Professor pós-doutor Eduardo Martins – UFMS, curso de História, campus de Nova Andradina.

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