Ex-presidente do Fla diz que cogitou suicídio após prisão

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O ano de 1999 marcou o início da transformação da vida de Edmundo Santos Silva. Bem-sucedido profissionalmente, com rendimentos de quase R$ 600 mil por ano em sua empresa de consultoria financeira e com uma vida familiar estruturada, ele se viu no auge ao alcançar ainda a presidência do clube com maior torcida do país. Ao chegar ao comando do Flamengo, sua maior paixão, porém, ele não imaginava o que estava por vir.

No lugar da satisfação pessoal, o que se viu foi o início de uma trajetória que terminaria no "fundo do poço", como o próprio ex-presidente rubro-negro define. Em entrevista ao UOL Esporte, Edmundo lembra todo o drama do impeachment sofrido na Gávea, sua opção de se tornar evangélico após o período turbulento e revela ainda que pensou em suicídio no ano de 2003, quando foi preso.

"Fui preso em 30 de setembro e me levaram para o Ponto Zero [carceragem da Polícia Federal no Rio de Janeiro]. Aquilo foi emblemático. Pensei: estou no Ponto Zero, minha vida acabou mesmo. Confesso que pensei em me matar", disse Edmundo, que passou três dias detido.

Após dois anos tranquilos no comando do Flamengo, com títulos, contratações de grandes jogadores como Edilson, Petkovic e Gamarra, e um contrato de R$ 700 milhões com a gigante mundial de marketing ISL, o então presidente viu sua vida virar um inferno em 2002. Acusado de desvio de receita, improbidade administrativa e um rombo de quase R$ 200 milhões nos cofres, ele sofreu um processo de impeachment e deixou o comando da Gávea.

O assunto, porém ainda é um tabu. "Eu prefiro nem falar disso. Só posso te garantir que não roubei um centavo do Flamengo. Pelo contrário, perdi muito ali. E ainda fiz muito pelo clube. Montei um belo projeto de marketing, investi nos esportes olímpicos e conquistei títulos. Só não esperava que a ISL fosse quebrar", lembrou o ex-presidente.

Questionado, então, sobre os motivos de sua saída, ele alegou falta de habilidade política para conduzir as denúncias. "Foi uma questão política. Eu errei muito, confiei em quem não deveria na política do Flamengo. Além disso, confesso que fui muito orgulhoso e vaidoso. Não acreditamos que poderia haver o impeachment, até que perdi a votação e tive que deixar o cargo".

"Ali, tudo começou a desandar. Perdi tudo. Minha imagem foi abatida e minha empresa perdeu todos os clientes. Para um consultor, este é o maior patrimônio. Fiquei sem nada. Até hoje pago dívidas por conta daquela época, coisas da ordem de R$ 3,5 milhões. Trabalho apenas para pagar isso", disse.

E mesmo com sua vida completamente revirada, tendo que largar o luxo e passando a dever a clientes e governo, Edmundo disse que não guarda qualquer mágoa das pessoas que o colocaram para fora do Flamengo e acabaram por determinar o início de sua derrocada.

Segundo ele, este sentimento tranquilo em relação ao passado se deve à conversão religiosa. "Me tornei evangélico em 2003 e foi isso que me ajudou muito. Passei a conversar com Deus e procurar entender tudo o que acontecia. Levo tudo pelo perdão. Hoje, sou uma pessoa tranquila, que aceita tudo o que passou e tenta reconstruir sua vida".

Dramas em sequência
E não foram poucas coisas que Edmundo teve que encarar. Não bastasse o fardo de ser o único presidente deposto do clube do coração, ele enfrentou dramas pessoais e familiares nos anos seguintes.

O filme que já estava "queimado" ficou ainda pior em 2003. Acusado de fazer parte de uma quadrilha de fraudadores do INSS e da Receita Federal, ele foi detido e passou três noites na prisão.

"Foi o fim. Eu não tive culpa de nada, tanto que não provaram nenhuma acusação e fui liberado. Mas isso destrói a vida de um homem. Saí de lá, fui para casa e pensei em me matar. Nada fazia sentido. Me perguntava o porquê de ainda estar ali. Não queria mais sofrer. Sorte que passei a mão na Bíblia, conversei com meus filhos e me acalmei", lembrou.

Dois anos depois, em 2005, Edmundo sofreu com a leucemia de sua neta, com 7 anos na época. "Foi triste, eu não tinha um centavo para ajudar e tive que contar com a sorte em um hospital público. O pessoal do Hospital da Lagoa [zona sul do Rio de Janeiro] foi muito legal e ajudou no tratamento. Hoje ela está ótima", relatou.

Em 2007, foi a vez do próprio ex-presidente sofrer em um leito de hospital. Com uma bactéria próxima da quinta vértebra, ele correu o risco de ficar tetraplégico. "Fiquei 53 dias sem mexer boa parte dos membros. Meu lado direito ficou completamente parado. Era uma doença complicada, com uma bactéria perto da medula. Até mesmo os médicos demoraram a entender".

E foi justamente após sua melhora clínica que as coisas começaram a mudar para Edmundo Santos Silva. Ele iniciou um relacionamento com a ex-judoca e técnica da seleção brasileira Rosicléa Campos. Nas palavras do ex-presidente, foi ela a grande responsável pela sua recuperação médica e pessoal.

"Passei anos de altos e baixos, com muitas quedas, e ela apareceu para me ajudar. Só posso agradecer a Rosi por tudo que fez por mim e o quanto me ajudou. Sem ela, não sei se estaria aqui hoje. Voltei a viver nestes últimos seis anos [desde 2007]", disse, se referindo à esposa que espera um filho seu para o próximo mês.

Elogios à atual diretoria
Neste período, Santos Silva também voltou a ter prazer de acompanhar o Flamengo, emitindo opiniões, torcendo e avaliando o clube que conheceu muito bem. E é justamente ao falar sobre o momento atual do clube, e a nova diretoria, que ele demonstra grande empolgação.

"Eles estão sendo perfeitos até aqui. Ninguém pode falar nada desta gestão. Eles estão acertando onde acho que errei muito: estão pagando dívidas. Eu deveria ter feito isso, mas não fiz. Talvez tenha sido meu grande equívoco, além de não dar atenção à construção do CT. Espero que eles mantenham o trabalho sério e honesto. Confio muito neste grupo da nova diretoria", disse Edmundo.

Seu apoio, porém, se dará apenas em forma de torcida. Após inúmeros problemas que determinaram a sua derrocada pessoal e profissional, o ex-presidente não pensa em pisar no Flamengo novamente.

"Nunca mais eu volto lá. Não posso ir a um lugar que votaram para me tirar. Não me querem na minha casa. E tenho que aceitar isso. Me limito a ver TV, acompanhar o noticiário e torcer. É isso o que farei", afirmou Edmundo, após desistir de um suicídio e reconstruir, ainda que parcialmente, sua vida depois da tempestade vivida na época de Flamengo.

"Foram cerca de sete ou oito anos que eu não viveria novamente. Não me arrependo de nada. Mas se fosse hoje, e pudesse escolher, passaria longe. Isso fez muito mal, a mim e a minha família. Chega!", encerrou.
 

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