Em nome de Deus? Uma opinião crítica ao uso da religião nas eleições municipais

*Ricardo Oliveira


Nas últimas semanas escrevi um artigo onde manifestei publicamente minha opinião que escola não é Igreja, ou seja, externei minha contrariedade ao uso proselitista da religião em espaços escolares. Agora, gostaria de registrar minha posição sobre o uso da religião como recurso para promoção de candidaturas políticas nas eleições municipais de 2024.

O Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (IPRI), da FSB Holding, coletou dados do portal de estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das últimas sete eleições municipais, entre 2000 e 2024. As informações revelaram que em 2000, o número de candidaturas com identidade religiosa foi de 2.215, em termos absolutos. Já em 2024, chegou a 7.206. Isso significa que houve um aumento de 225% nas candidaturas com identidade religiosa em 24 anos.

Os dados mostraram que os nomes de candidatos com títulos relacionados à religião evangélica são a maioria esmagadora das candidaturas com identidade religiosa apuradas no levantamento do IPRI/FSB. Nas eleições deste ano, os termos mais recorrentes são: pastor (2.856), irmão (1.777), pastora (862), irmã (835) e missionária (247). Em menor número constam candidaturas com identidade católica e de religiões de matriz africana.

É preciso dizer que esse fato não chega a ser uma novidade. A instrumentalização da religião em campanhas eleitorais é um fenômeno de longa data na história do Brasil. Só que diferente do passado, onde o catolicismo era a referência central nos pleitos políticos, hoje os setores evangélicos disputam esse espaço com maior afinco e engajamento.

A identidade religiosa nas disputas eleitorais não seria um problema se ela não acoplasse a mensagem de que a atuação pública será pautada por valores religiosos. E isso não é apenas uma estratégia para ganhar eleições. O que se vê atualmente no país, dos cargos executivos aos legislativos, desde o nível federal ao municipal, são inúmeras atuações políticas com base em crenças religiosas particulares.

A Constituição de 1988 foi elaborada com base no princípio de laicidade. E é sempre bom recordar isso. O Estado não deve privilegiar nenhuma religião em específico e deve garantir e respeitar a liberdade de crença e descrença religiosa das pessoas. Um desdobramento disso é que políticas públicas não devem ser pautadas pela crença religiosa específica da pessoa que ocupa um cargo público. No entanto, isso ocorre muitas vezes.

O debate público deve ser pautado por valores que sejam um solo comum à sociedade como um todo, independente das opções religiosas de indivíduos e grupos, como justiça social e democracia, por exemplo. Algo que infelizmente não se faz presente na atuação de inúmeras candidaturas que se elegem com o suporte de uma identidade religiosa.

Referências

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-08/candidaturas-com-identidade-religiosa-crescem-225-em-24-anos

*Professor do Curso de História da UFMS/CPNA

Este texto, não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova

Cobertura do Jornal da Nova

Quer ficar por dentro das principais notícias de Nova Andradina, região do Brasil e do mundo? Siga o Jornal da Nova nas redes sociais. Estamos no Twitter, no Facebook, no Instagram e no YouTube. Acompanhe!


Comentários