6 mil presos não voltam da saída temporária

Um dos foragidos foi responsável pela morte de um policial militar em São Paulo


Em cerca de um ano, 6.880 detentos de São Paulo fugiram durante as saídas temporárias. Essa quantidade — calculada do dia dia das Mães de 2011 até a mesma data de 2012 — daria para encher quase três vezes o complexo penitenciário de Franco da Rocha e, praticamente oito vezes, as penitenciárias masculinas de Tremembé I e II.

O debate em torno da concessão do benefício, garantido pela Lei de Execuções Penais, voltou à pauta após a captura de Douglas Brito Silva, suspeito de envolvimento no assassinato do soldado Osmar Santos Ferreira, durante ataques contra policiais militares que ocorreram entre maio e junho deste ano em todo o Estado. Silva está entre os 6.880 que não regressaram às unidades prisionais de São Paulo após saída temporária. Ele havia deixado a cadeia de Reginópolis, a 423 km da capital, em função do Dia dos Pais de 2011.

Somente presos em regime semiaberto, que tenham cumprido um sexto da pena, se forem primários, e um quarto, no caso dos reincidentes, têm direito ao benefício. Condenados por crimes hediondos precisam cumprir, pelo menos, dois quinto da pena. O tema divide especialistas e evidencia fragilidades no sistema prisional do País.

Promotor de Execuções Criminais da capital paulista, Pedro Juliotti considera que não há mais justificativa para a concessão de saídas temporárias, porque, na prática, o regime semiaberto cumpre regras do regime aberto em razão da falta de estrutura para aplicação das penas estabelecidas pela Justiça.

— O preso em regime semiaberto deveria trabalhar em colônia agrícola, industrial ou similar. Isso não tem acontecido. Então, na verdade, o semiaberto virou aberto e o aberto virou domiciliar. Em relação ao semiaberto, como não há colônias suficientes, é permitido que o sujeito saia para trabalhar e se recolha à noite e nos finais de semana. Se ele sai todo dia para trabalhar, para que saída temporária?

Na avaliação do promotor, “o sistema precisa ser mudado”, porque estimula a impunidade.

— É um absurdo. Isso é altamente temerário. Acho que o problema da reincidência no Brasil reside exatamente no cumprimento da pena. Teria que mudar a lei, acabar com o regime aberto e modificar o semiaberto. Não é mais possível falar em regime semiaberto, se o preso sai todo o dia para trabalhar. É vergonhoso o cumprimento de pena no Brasil. No âmbito da execução penal, a lei não é cumprida há muitos anos. Talvez esteja aí o reflexo da criminalidade alta que temos.

O criminalista Carlos Kauffmann, conselheiro da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo), pensa diferente em relação às saídas temporárias. Para ele, mesmo diante das distorções do sistema, o benefício é importante no processo de reinserção do preso na sociedade.

— Vamos pensar no bom preso, aquele que realmente está se ressocializando. Ele sai para trabalhar e volta todo dia. E, na saída temporária, ele vai para casa ver a família. Ele tem uma outra forma de ressocialização, a do aspecto familiar. Para que esta família, exercendo uma influência positiva sobre aquele preso, mostre para ele que é melhor viver fora da cadeia do que viver preso.

Os especialistas também divergem quando o foco da discussão passa ser a prática de delitos durante as saídas temporárias. Segundo Juliotti, a reincidência durante o período é frequente.

— Embora o preso saia todo dia, ele é controlado, tem que ir para o emprego e voltar à noite. Quando deixa a unidade durante uma saída temporária, ele fica três, quatro dias. Parece que a oportunidade aumenta.

Kauffmann faz outra análise. De acordo com ele, o problema não está na “saidinha”, mas na segurança pública.

— Do mesmo jeito que aquele que está em saída temporária, aquele que nunca foi preso, aquele que tem mandado de prisão e que o mandado não foi cumprido ainda cometem delitos. É um problema que não está na saída temporária, na lei, mas na segurança pública. É preciso começar do zero, investindo em educação e em segurança. Se houver um investimento muito grande, talvez, daqui a 20 anos, a coisa comece a melhorar.

Falhas na fiscalização

Mas o criminalista reconhece que as falhas na fiscalização da execução penal acabam comprometendo o controle das saídas temporárias.

— Temos um grande problema de fiscalização de execução penal, que realmente está complicada, é um momento difícil no nosso sistema. Então, não há um controle da execução penal, não há um controle da saída temporária, não tem controle de quem está indo e o que está fazendo. Há muitos presos que poderiam já estar na rua e muita gente que está na rua, mas que deveria estar presa. A saída temporária, que tinha uma finalidade benéfica, hoje, você não sabe o que faz, porque não há condições de segurança pública. Na verdade, não há controle de segurança pública e aquela pessoa que deveria sair para ter uma atividade boa, lícita, algumas vezes acaba se envolvendo em atividade criminosa.

Ainda assim, Kauffmann avalia que o benefício deve ser mantido.

— Não se pode acabar com a saída temporária, porque nem todo preso está envolvido com o crime organizado. Você vai prejudicar aqueles que não têm culpa, que estão utilizando a saída temporária justamente para a ressocialização. Infelizmente, a segurança pública como um todo precisa ser revista, e não a saída temporária.

Evasão baixa

Apesar de 6.880 não terem regressado às unidades prisionais, o índice de evasão é considerado baixo. A média de não retorno após as saídas temporárias de Dia das Mães (2011 e 2012), Páscoa, Dia das Crianças, Finados, Natal e Ano Novo de 2011 foi de 4,95%, segundo a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária).

Os feriados que mais registraram evasão foi o Natal e o Ano Novo. Na ocasião, 22.291 detentos deixaram prisões do Estado e 1.518 não se apresentaram de volta, um percentual de 6,81%.

Procurado a Secretaria de Segurança Pública e a SAP para saber quantos dos 6.880 presos tinham sido recapturados, mas, até o encerramento desta matéria, nenhum dos órgãos informou os dados solicitados.

Atualmente, a população carcerária do Estado é de 190.878 detentos, incluindo aqueles no regime fechado.


 

Cobertura do Jornal da Nova

Quer ficar por dentro das principais notícias de Nova Andradina, região do Brasil e do mundo? Siga o Jornal da Nova nas redes sociais. Estamos no Twitter, no Facebook, no Instagram e no YouTube. Acompanhe!