Harold Harry trazia uma longa bagagem no quesito criaturas sobrenaturais. Havia duas décadas que ele caçava e neutralizava esses seres que pairavam sobre a Terra. O detetive Harry era um homem calmo e preciso, não desperdiçava palavras e era um bom ouvinte.
Harold pousou no aeroporto privado da família Adomas, era ali que vivia o prefeito Benas Adomas, na cidade de Bauska, Letônia.
O detetive teve um voo sossegado e sem surpresas.
— Detetive! É um prazer recebê-lo em minha residência. — Cumprimentou o patriarca Benas Adomas.
— O prazer é meu, Sr. Adomas.
— Obrigado por vir. Como eu disse em minha carta, há pessoas desaparecendo. Quando são encontradas, há marcas estranhas nos corpos.
— Que tipo de marcas? — o detetive indagou.
— Parecem-se com desenhos de animais.
— Curioso. — Harry pôs-se a pensar. Se as marcas tratassem de hieróglifos, o caso seria um pouco mais delicado. — Poderia ver um dos cadáveres?
— Claro! Nosso motorista irá levá-lo para onde deseja.
Vinte minutos depois, Harold estava examinando três corpos. Os temores do detetive se concretizaram, eram hieróglifos. Ele traduziu: “Sangue pelo sangue”. Harry se questionava, o que uma criatura egípcia estava fazendo na Letônia? A explicação mais plausível que encontrou foi a de que alguém a invocou. Nesse caso, quem fez o ritual de invocação precisaria ser extremamente conhecedor das artes de invocação, pois seres do Egito eram receosos e soberbos, não abandonariam sua pátria, e isso explicaria a sede assassina da criatura.
— Quem foi a primeira vítima? — interpelou o detetive ao médico legista.
— Já foi enterrado. Tratava-se do delegado Darius Karvelis.
— Qual o tempo entre os desaparecimentos? — inquiriu Harold.
— No começo, entre a primeira e a segunda vítima, o tempo foi de aproximadamente duas semanas. Esse tempo foi-se encurtando.
— Agora, como está a situação?
— Tem dia que desaparece até mesmo duas pessoas.
A criatura estava agitada, querendo voltar para casa, pensou Harold Harry. Mas por que, então, ela ainda não foi libertada?
— Algo te incomoda, detetive? — perguntou o legista.
— Teria como me deixar a sós com esses cadáveres?
— Tanto faz, eles não vão sair correndo mesmo. — O legista se retirou, gargalhando da própria piada. Harry achou a piada de mau gosto, essas pessoas estavam mortas, mas mereciam respeito.
O detetive retirou do bolso um pequeno pedaço de giz e fez um hieróglifo de invocação. As marcas que estavam nos corpos derramaram sangue. O sangue foi escorrendo até amontoar-se no desenho que Harold Harry fez no assoalho. O plasma formou um anúbis. A criatura encarou o detetive e, rosnando, disse:
— Por que me chama? Já não me basta um Mestre, agora preciso atender a dois?
— Venho para libertá-lo. Qual contrato você fez com o Mestre anterior? Quantas vidas ele encomendou?
— Não foi uma encomenda, foi um laço de sangue. Sangue pelo sangue. Enquanto meu Mestre viver, estou preso a ele.
Harry espantou-se. Era perigoso fazer um laço sanguíneo com uma criatura mítica.
— Quero um contrato! — disse Harold.
— Estou cansado, quero voltar para casa. Não me ponha mais um fardo! — reclamou a criatura, com gravidade.
— Ouça minha proposta! Dê-me o nome que preciso e te darei sua passagem de volta para o Egito.
O anúbis ponderou a situação, encarou o detetive com um olhar feroz e disse lentamente:
— O nome é Edgaras Jasaitis. — Dada a informação, o ser mítico se desfez.
Harold pediu ao motorista do prefeito para levá-lo à delegacia. Trinta minutos mais tarde, ele estava de frente com o investigador Herkus Bagdonas.
— Tenho seu suspeito. Edgaras Jasaitis.
— Como conseguiu chegar a essa conclusão? — questionou Bagdonas, cauteloso como mandava o ofício.
— Tenho minhas fontes, assim como o senhor têm as suas. Neste momento, precisamos trabalhar juntos para pôr fim neste caso.
— Foi alguma fada que lhe disse o que fazer? — indagou Herkus com sarcasmo.
— Apresentei a você o Mestre, o sujeito que invoca uma criatura para executar um contrato. Mas Edgaras fez um de sangue. — Explanou Harold sem se perturbar.
— O que isso tem a ver com o caso? — interpelou Bagdonas, que não entendia muito dos seres sobrenaturais.
— Sendo sucinto, Edgaras tem que morrer para o anúbis ir embora e as mortes pararem.
— Hum! Não há outro modo?
— Receio que não!
Fizeram silêncio. Passados alguns segundos, Herkus tornou a falar:
— Edgaras não é nenhum santo, mas não gosto de assassinato a sangue-frio. O suspeito em questão, fugiu da cadeia alguns meses atrás e enviou uma carta ao delegado jurando matá-lo no momento mais oportuno. Darius Karvelis, nosso falecido comandante, não desprezou a ameaça, porém, não fez grande alvoroço. Se Edgaras é realmente nosso homem, agiremos conforme a lei. Se precisar de força letal, assim será.
Foram necessários vários dias de preparação e planejamento. Desde a descoberta do paradeiro de Edgaras até as provas concretas da sua autoria dos crimes.
Chegado o dia do confronto, uma pequena tropa de elite postou-se nos lugares estratégicos. Escondidos do campo de visão do criminoso. Apenas Harold e Herkus ficaram à vista do contraventor.
— Edgaras Jasaitis, você está preso por assassinato. — Declarou o investigador Herkus Bagdonas.
— Será preciso mais do que seu pequeno esquadrão para me deter. — Arrematou Jasaitis.
— Então ele sabe, — murmurou o investigador para Harold.
— Claro que sabe! Ele tem um anúbis sob seu domínio.
Subitamente, gritos foram ouvidos; os policiais de elite estavam sendo atacados por uma criatura humanoide com cabeça de chacal. Quanto mais atiravam, mais irritado o anúbis ficava.
— Que demônio é este? — desesperou-se Herkus.
— Esse é o ser que tem matado em nome de Edgaras. — Respondeu Harold Harry. — Só há um jeito de pará-lo e poupar as vidas dos seus policiais remanescentes.
O investigador mal esperou o detetive concluir sua fala e mirou no assassino. O suspeito tentava se esconder atrás de uma parede; com uma sniper que pegara de um soldado caído, Herkus estourou os miolos de Edgaras.
Neste instante, o anúbis parou de atacar. Harold Harry aproximou-se dele e proclamou:
— Volte para o lugar de onde veio, não precisa mais lutar.
O anúbis fez uma reverência e desapareceu.
Desta forma, encerrou-se mais um caso do detetive sobrenatural.
*Estudante de contabilidade, morador em Nova Andradina e autor de livros
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova
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