Justiça de Nova Andradina absolve dupla devido a ingresso de PMs em domicílio sem consentimento

Prisão dos suspeitos aconteceu em janeiro deste ano, após serem flagrados com 2,5 kg de maconha

Da Redação


Sem o consentimento livre e voluntário para o ingresso de policiais militares na residência, é nula a prova obtida a partir da busca domiciliar. Assim, a Vara Criminal de Nova Andradina absolveu dois jovens, das acusações de tráfico de drogas ocorrido em janeiro deste ano.

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Bruno Gonçalves da Silva, de 26 anos, e Rainan Carvalho Lopes Arruda, de 25 anos, flagrados com 2,5 quilos de maconha, em 12 de janeiro deste ano, foram absolvidos do crime, decisão foi da juíza Cristiane Aparecida Biberg de Oliveira. Eles já estão em liberdade.

Segundo consta na denúncia, no dia 12 de janeiro de 2023, na avenida Antônio Joaquim de Moura Andrade, defronte a um estabelecimento comercial, os denunciados foram presos em flagrante delito, eis que traziam consigo, para tráfico, uma trouxinha de maconha, bem como na residência localizada na rua Yutaka Hashinokuti, bairro Durval Andrade Filho, mantinham em depósito, para tráfico, quatro tabletes da mesma substância totalizando 2,432 quilos, a qual determina dependência física e psíquica. Consta, ainda, que no mesmo dia, horário e locais, os denunciados associaram-se para o fim de praticar crime de tráfico de drogas.

Trâmite judicial

Em alegações finais, o MPE (Ministério Público Estadual) pugnou pela condenação dos réus nos termos da denúncia. A defesa de Rainan requereu, preliminarmente, a declaração de nulidade da busca domiciliar e, no mérito, a desclassificação do crime de tráfico para o de consumo pessoal e a absolvição do delito de associação para o tráfico.

 Suspeitos quando voltavam da audiência de custódia - Foto: Arquivo/Jornal da Nova

Já Bruno, por intermédio do advogado Henaglyton Corneto, pugnou pela improcedência do pedido, absolvendo-se o réu, reconhecimento da nulidade da prova obtida em virtude da violação de domicílio e fez demais requerimentos relativos à aplicação da pena.

Ouvidos em juízo, os policiais da Força Tática registraram diversas omissões e contradições que comprometeram a realidade processual dos fatos e, diante da ausência de fundadas razões, gravação audiovisual e autorização expressa para ingresso no domicílio do réu, justifica-se o acolhimento dos pedidos de declaração de nulidade.

A juíza explicou que: “Com relação ao primeiro momento da abordagem policial (busca pessoal/veicular), verifica-se que o único motivo que justificou a conduta dos policiais foi o fato de um dos passageiros do veículo ter se abaixado quando cruzou com a viatura. Partindo-se de tal premissa, constata-se que a busca pessoal/veicular originou-se meramente do discernimento mental dos policiais de que poderia haver algo de errado, isso sem que existisse qualquer dado objetivo ou concreto”.

“Aí reside a ilicitude da abordagem, visto que se exige, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. A normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à “posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito”. Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto (droga, por exemplo) que constitua corpo de delito de uma infração penal”, disse em trecho da decisão.

 Suspeitos foram absolvidos e liberados - Foto: Reprodução/Tribunal de Justiça

Conforme salientando no RHC 158.580/BA, o art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como “rotina” ou “praxe” do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata. Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas.

Assim, ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de “fundada suspeita” exigido pelo art. 244 do CPP.

Logo, a revista pessoal/veicular realizada pelos policiais deve ser declarada nula, com os todos os consectários legais, pois baseada apenas na impressão de que um dos réus estaria cometendo algo ilícito e sem a existência de qualquer dado objetivo e concreto a justificar a medida.

Com relação ao segundo momento dos fatos (busca domiciliar), os policiais relataram que adentraram no imóvel do réu em razão do flagrante do tráfico de drogas que estava ocorrendo, consubstanciado na confissão informal do réu e provavelmente em virtude da natureza permanente do delito.

“Todavia, conforme destacado alhures, esclareço que a confissão informal fora obtida por intermédio da anterior busca pessoal/veicular ilegal, o que invalida a sua utilização como fundada suspeita para o flagrante posterior.

 Veículo será devolvido para os suspeitos - Foto: Arquivo/Jornal da Nova

Infere-se, ainda, que os policiais relataram que o réu teria autorizado a entrada deles no imóvel. Destaco que, sem prejuízo da evolução desse entendimento, este juízo tem admitido, em situações similares, que a prova oral dos policiais seja utilizada como elemento probatório para comprovar a autorização do proprietário à entrada no seu imóvel durante busca domiciliar”, destaca a juíza.

No caso, porém, não há provas a corroborar os relatos dos policiais. Um dos agentes ouvido em inquérito policial, afirmou que integrava a equipe que realizou a abordagem inicial (busca pessoal/veicular), sendo que em juízo suas declarações foram totalmente distintas, ou seja, relatou categoricamente que não abordou os réus no primeiro momento dos fatos, tendo participado apenas da diligência de busca domiciliar, realizada posteriormente. Aliás, quando ouvido na fase de inquérito, o policial sequer mencionou a existência desta segunda equipe policial, dando a entender que havia apenas uma equipe, a qual teria realizado todas as diligências, o que também vai de encontro à prova judicial.

“E mais, é de conhecimento notório desse juízo que as equipes policiais estão equipadas com câmeras, as quais foram obtidas com ajuda dos recursos das prestações pecuniárias, porém o que se percebe é que, na prática, nenhuma operação policial ou buscas domiciliares têm sido gravadas, não ao menos para fins de instruir os processos penais. Penso que também não seria demais colher a autorização expressa do réu para entrada no seu domicílio, a qual, inclusive, contou com uma testemunha, pois, conforme depoimento de um dos policiais, o locador do imóvel acompanhou as diligências, ou seja, não haveria trabalho algum coletar autorização expressa do réu, corroborada com a assinatura da testemunha. A meu ver, o procedimento adotado pelos policiais fora totalmente irregular”, disse a magistrada.

“Reforço, uma vez mais, que os depoimentos policiais são contraditórios e não servem para comprovar a autorização do réu para entrada no domicílio, sendo que, além disso, é ônus do Estado comprovar a anuência mediante declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato e, ainda, registrada em áudio-vídeo”, frisou a juíza.

Vale dizer, nos termos do julgamento do HC 598.051/SP, "se qualquer pessoa – inclusive um magistrado da mais alta Corte do país – não crê ser natural que alguém permita, voluntariamente, que agentes da segurança pública, armados, ingressem em seu domicílio para procurar objetos relacionados a um crime de que é suspeito, é de se exigir, por conseguinte, que o Estado não dê azo a qualquer dúvida quanto à legalidade da diligência e quanto ao livre assentimento do morador que permite a busca domiciliar”.

 O advogado criminalista Henaglyton Corneto que defendeu uma das partes - Foto: Arquivo/Jornal da Nova

Por fim, a juíza julgou improcedente a pretensão punitiva e absolveu os réus Bruno Gonçalves da Silva e Rainan Carvalho Lopes Arruda, que ganharam liberdade. Ainda terá o veículo devolvido. 

Para o advogado criminalista Henaglyton Corneto, nenhuma garantia fundamental pode ser violada, entre elas ingressar no domicílio sem autorização do morador, salvo se estiverem com mandado judicial. Toda ilegalidade tem que ser combatida, com vigor.

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