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O Deus cristão deve estar presente na escola pública? A opinião de um ateu
*Ricardo Oliveira
Eu sou professor de História já com alguns anos de caminhada e saber sobre a realidade da educação de nosso país. Além disso, converso com antigos alunos e alunas que hoje atuam no ensino público e me relatam as alegrias e desafios que encontram nas escolas.
Além de professor, sou um cidadão e compartilho uma posição com pouca identificação no país: sou ateu. Com isso quero dizer que faço parte de uma minoria social imerso em uma realidade que apresenta muitos desafios. Um deles está no âmbito da educação, o qual exemplifico com a pergunta: o Deus cristão deve estar presente na escola pública?
Sei que a pergunta pode causar estranhamento, mas ela é central para se pensar o papel da educação pública e a cidadania no país. Não é de hoje que situações como a presença de símbolos cristãos, como o crucifixo, realização de orações e atividades cristãs similares ocorrem nas escolas públicas. Tratando-se de um país de maioria cristã, como é o Brasil, isso pode não ser visto como um problema para uma parcela da população. Mas deveria!
Ainda que o Brasil seja um país de maioria cristã, existe um contingente da população que não é. Existem espíritas, muçulmanos, adeptos de religiões de matriz africana, indígena, oriental, ateístas e agnósticos. E essa diversidade está presente na sala de aula.
Esse cenário religioso plural fundamenta a Constituição de 1988, que em seu artigo 19 estabeleceu que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: “I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. É um pilar da laicidade.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 reforçou os princípios e fins seculares da educação em seu artigo segundo: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A mesma LDB, que prevê o ensino religioso, passou a afirmar em lei complementar de 1997 que o ensino religioso, de matrícula facultativa, “é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”.
A partir dessas considerações registro agora o principal argumento desse artigo: não a defesa que o Deus cristão deva ser excluído do espaço da escola pública. Não é esse o sentido da laicidade, qual seja, proibir religiões, mas sim atentar para o respeito ao público escolar diverso em suas crenças e descrenças. A escola, na condição de instituição pública de Estado, não deve privilegiar práticas que favoreçam uma religião específica ou adotar algum tipo de ação proselitista. Para práticas evangelizadoras, existem as igrejas.
A escola deve primar pelo ensino de conhecimentos que capacitem os alunos e alunas para o exercício da cidadania. É claro que o cristianismo, na sua dimensão histórica, social e cultural deve ser conhecido em sala de aula, assim como outras expressões religiosas, como aquelas de matriz africana, por exemplo, e o campo da descrença, como o ateísmo. Mas com um viés secular. Afinal, a escola não é uma igreja. Uma opinião, diga-se de passagem, que é compartilhada por muitos cristãos com os quais tenho amizade.
Referências
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
*Professor do Curso de História da UFMS/CPNA
Este texto, não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova
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