Meu pai e a política no tempo antigo

*Percival Puggina


Noite de domingo, Dia dos Pais. Muitas vezes me surpreendo perguntando o que diria Adolpho Puggina, que tanta saudade me causa, diante desse caldo ralo e custoso em que se transformou a política brasileira. Ele nasceu em Rio Grande, formou-se em economia na PUC e foi trabalhar em Santana do Livramento com um tio. No correr dos anos, tornou-se sócio e diretor de empresas e constituiu com Eloah, minha querida mãe, uma família de sete filhos. Já então, um maravilhoso exagero.

A vida, lembro bem, era confortável e o lazer mais comum, numa época de poucos brinquedos, eram bons livros, boa música e longos matinés dominicais no cinema de Rivera. O futuro da família, porém, estava em Porto Alegre. Eles queriam e conseguiram ter todos os filhos, cada um a seu tempo, no excelente Colégio Júlio de Castilhos e na Universidade Federal. Impulsionados por esses objetivos, em 1959 nos mudamos para a capital. Deixamos atrás uma bela e espaçosa residência, quase um sítio e nos comprimimos num pequeno apartamento de três quatros e um banheiro na Avenida José Bonifácio, vizinho do Colégio Militar.

À zoeira da numerosa “população local”, minha mãe ainda acrescentava um pequeno conservatório musical onde ensinava piano a grupos de crianças. Por isso, assim que podia, durante anos, eu pegava o bonde e ia estudar na espaçosa e silenciosa Biblioteca Municipal que até hoje vejo como um templo de excelentes recordações.

Vamos, porém, ao que interessa à pergunta inicial deste texto. Certo dia, em 1962, na hora do almoço, meu pai anunciou à família que seria candidato a deputado estadual.  “O quê? Tu? Como? Por quê?” – perguntaram todos num coro de diferentes tons masculinos e femininos de idades variadas. Ele explicou que o cardeal D. Vicente Scherer, preocupado com o avanço da extrema esquerda, sonhava com uma bancada conservadora forte e queria incluir o pai entre os candidatos preferenciais. Ele se filiara ao PDC (democrata cristão) e o apoio funcionou. Meu pai foi o segundo mais votado entre os deputados eleitos pelo partido. Com ele, elegeram-se, também, José Sperb Sanseverino (que se tornaria, mais tarde, por muitos anos, provedor da Santa Casa de Misericórdia), o caxiense Mário Mondino e o então jovem Nelson Marchezan. Vivi naquele ano minha primeira experiência com uma campanha “às antigas”. Consistia, basicamente, na impressão de pequenas cédulas de papel jornal com o nome do candidato que, por sua vez, metia o pé na estrada em longos roteiros para conversar e distribuí-los.

Seguiram-se outros três mandatos com companhas nas quais todos os filhos nos envolvíamos como parte do “comitê”, cabendo ao pai rodar na poeira e no barro das estradas, a bordo de uma Rural Willys onde tudo era primitivo, quase nada era elétrico e coisa alguma era eletrônica. Mas durável. A velha viatura foi também, por muitos anos, o carro da família.

A cada eleição, ele fazia um empréstimo na antiga Caixa Econômica Estadual para cobrir as despesas de campanha com gráfica e gasolina, amortizando o valor no decorrer do sempre incerto mandato futuro. E assim foi até 1978 quando, certo dia, comunicou à família que não seria reeleito. Jamais esquecerei aquele anúncio e o motivo que apontou para a derrota que antevia. Nos anos anteriores, a captação de votos em mais de uma centena de municípios era feita por cabos eleitorais voluntários que agiam movidos por um ideal e pela confiança que nele depositavam. Naquele pleito, novos candidatos apareciam oferecendo-lhes dinheiro, viaturas e prometendo empregos e favores em troca do trabalho e dos votos obtidos.

Feita assim, a política se mercantilizou. Os custos se expandiram exponencialmente. Em pouco tempo, se tornou um business. Foi o início do fim da representatividade política tão essencial à democracia! Primeiro, foi o espantoso volume dos recursos privados. Depois, recursos públicos! A corrupção se instalou nos partidos, indo daí para os plenários, até alcançarmos, nas emendas parlamentares, a sofisticação do requinte.

Eu assisti a isso etapa por etapa. Ninguém me contou. Espero que essa observação que trago da lembrança de meu amado pai proporcione uma boa reflexão por parte dos leitores desejando que tenham tido, no domingo, um feliz e abençoado Dia dos pais.

*Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Este texto, não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova

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