Deus é real ou uma projeção infantil?

*Felipe Pereira


Deverá o querido leitor não se irritar com esse pequeno texto, onde faço um pífio ensaio a respeito da fantasia inconsciente que simbolizamos na figura de Deus. Eu escrevo neste ensaio sobre as fantasias a respeito daquilo que consideramos sagrado e de como isso é tão somente uma projeção da necessidade infantil de afeto; os devotos da fé cristã não me tenham por arrogante ou desrespeitoso, sou apenas um simples escritor falando de seus pensamentos. Deixo claro que esse texto não tem como propósito insultar a fé de ninguém, ele tem apenas a missão de trazer a reflexão para aqueles que são interessados nos estudos teológicos e do comportamento humano. Devo ressaltar também que eu não vejo nenhuma religião com maus olhos e acredito que para muitos ela seja necessária, pois ela permite que seus seguidores encontrem uma identidade.

A religião é uma parte essencial do desenvolvimento humano, nunca houve uma comunidade onde não existisse algum tipo de manifestação desse fenômeno. Estudar as manifestações religiosas é fundamental para aquele que quer compreender o comportamento humano; é um vasto campo de estudo, onde é possível conectar várias áreas do saber. Porém, detenho-me aqui apenas na visão psicológica desse fenômeno.

Como vivemos em um país majoritariamente cristão, e por ser essa a religião dos meus pais e a religião que eu segui por muito tempo, darei foco somente a ela. Mas os argumentos aqui expostos podem ser reverberados para as demais religiões.

Quando pensamos na figura de Deus, logo nos vem à cabeça um pai amoroso, que jamais abandonaria um filho seu; ainda que uma mãe abandone, Deus jamais abandonaria. Mas, ao mesmo tempo em que Deus é amor, ele também é a justiça. Ou seja, Deus é a fonte da moralidade, fonte daquilo que entendemos como certo ou errado.

Para entendermos essa necessidade de um ser superior e regulador, é preciso olhar para a maneira como estruturamos nossa sociedade. O filósofo Aristóteles sabiamente disse que somos animais políticos, nós organizamos nosso cotidiano hierarquicamente, onde o topo é a cabeça do sistema, o lugar onde as leis são determinadas e a base é a classe operária, que sustenta toda a estrutura.

Quando analisamos desta forma, fica fácil entender o papel de Deus na sociedade. Ele é o topo máximo, o Ideal a ser alcançado. Por isso, afirmo aqui que Deus é uma projeção de nossos anseios infantis pela perfeição. Perfeição esta que nunca alcançaremos, pois somos seres faltosos, tendemos a olhar o mundo de maneira fantasiosa e não da maneira como ele realmente é, tal como a criança enxerga o mundo. Quando chegamos à fase adulta, não somos tão adultos assim, pois trazemos conosco muito da criança. Por isso a figura de Deus se fez necessária, para podermos suportar o peso da responsabilidade e para podermos ter alguém para fazer o papel que nossos pais faziam. A criança não enxerga as fraquezas de seus pais, para a criança seus pais são onipotentes, igual Deus é para o religioso.

Se tirássemos Deus da sociedade, veríamos os adultos perdidos que somos, pois não conseguimos crescer e assumir plenamente a responsabilidade por nossas escolhas, agimos ainda como a criança que precisa da orientação dos pais para poder caminhar.

Para conseguirmos suportar a vida e não deixarmos o peso da responsabilidade nos tornar em pessoas cansadas e sem um motivo para existir, criamos a Deus. Projetamos em Deus tudo aquilo que somos e queremos. Deus tem características humanas, pois vemos ao mundo com um olhar humano; Deus é o topo da nossa cadeia hierárquica, então o colocamos como Ideal, como a imagem da perfeição, o exemplo a seguir.

Fica fácil atribuir a Deus as atrocidades que fazemos e a esperança para que elas se cessem, pois Deus é aquele que vai recompensar os bons e condenar os maus. Para que o mundo não se torne selvagem, igual uma criança que, na sua inocência, às vezes comete coisas que seriam inapropriadas para um adulto, Deus é a bússola que vai nos orientar para não trazermos à tona nossos verdadeiros desejos, para não entrarmos em contato com nosso lado mais sombrio. Deus é aquele que vai ligar o homem e a sociedade, pois reprimimos nossas vontades para caber dentro de uma estrutura social.

A sociedade exige muito de nós, exige que matemos nossas vontades em prol dessa estrutura social. Esse ato de renúncia faz com que percamos nossa verdadeira essência e com isso nos perdemos no vazio existencial; nesse ponto crucial, Deus surge como essa figura que nos levará ao paraíso após as dores dessa vida. Deus é uma doce ilusão da criança dentro de nós, criança esta que não quer enfrentar a dolorosa realidade.

Quanto mais dura for a realidade de uma sociedade, maior será sua fuga dela. Um povo oprimido recorre a sua fé, pois ela representa um momento de satisfação em meio a tanta aflição. Porém, quanto mais feliz é uma sociedade, menos ela recorre ao recurso da fé, pois a realidade lhe é suportável sem as fantasias.

Para sintetizar meus pensamentos, Deus é uma criação humana, pois nossa capacidade de abstração nos permite criar coisas imaginárias. Assim como a criança tem seu amigo imaginário, Deus é uma reedição dessa criatividade infantil. Em Deus encontramos o amor dos pais e as punições quando erramos. Em Deus encontramos a moral que nossos pais nos ensinaram e um alívio para a dor de existir.

Se apagássemos Deus da existência, ficaríamos perdidos por um tempo; e enfrentar a realidade sem recorrer a alguma divindade nos esgotaria. Mas conhecendo uma parte ínfima da longa trajetória humana, tenho certeza de que encontraríamos um caminho.

*Formado em psicanálise pelo Instituo Brasileiro de Psicanálise Clínica, atua como psicoterapeuta e é pós-graduado em Psicologia Organizacional

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova

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