E se Tagliaferro for uma pessoa real?

*Percival Puggina


Manhã de 18 de setembro. Exultante, o ativismo das redações liberava, para entrega, notícia fresquinha como fruta de feira: Hugo Motta confiara o posto de relator da PEC da Anistia à integridade moral do Paulinho da Força. Horas depois, este informava que levaria ao plenário da Câmara um texto previamente submetido ao proverbial zelo humanitário do STF.

Fiquei pensando na maldade de quem acenara esperança a tantos brasileiros. Havia mais de dois anos, por ação de uns poucos, o que era para ser protesto contra o passado recente e o futuro previsível descambou para atos de vandalismo. Pronto! Para padecimento de uns e alegria de outros, o que poderia ser resolvido de um jeito pela primeira instância judicial, absorvido pela Primeira Turma do STF e tratado com uma frieza de arrepiar pinguins, virou instrumento da política e travou o relógio da história. De lá para cá, o episódio ocupa o epicentro de um terremoto político, judicial e institucional com reflexos internacionais.

O destino do grupo de manifestantes em 8 de janeiro de 2023 caíra em mãos que, lhes imputaram, indistintamente, um pacote pronto de crimes impraticáveis por aquele grupo. A exemplo de milhões de brasileiros, habituados à liberdade e à democracia, manifestavam-se contra o futuro previsível e a sanha liberticida por vir. E ela veio, arrastando o eixo do poder para o formidável e sem precedentes protagonismo político do STF.

Desde então, no peito e na voz de milhões de brasileiros arde um clamor por justiça que só pode ser mitigado pela Anistia. O recente e minucioso voto do ministro Fux, em boa parte, refletiu esse sentimento. No entanto, em virtude do deslocamento do eixo do poder político para o STF, tendo o fígado razões que a Razão desconhece, conteúdos legislativos de natureza política, como a Anistia, só são tolerados se previamente abençoados pelo Supremo.

Em recente artigo, o amigo santa-mariense Valdemar Munaro, professor de Filosofia, explicou aquela votação com base na crítica que vem fazendo em sucessivos textos, ao idealismo de Hegel: “Se o ministro Fux refletiu sobre o que viu, os demais ministros, refletiram sobre o que pensaram. No primeiro caso, a realidade dos fatos orientou o pensamento, no segundo, o pensamento orientou os fatos da realidade”. E nasceu a tão reiterada “narrativa”.

A essa perspicaz observação pode-se acrescentar, também, com a mesma base de observação, que vivemos no Brasil uma distopia real e uma utopia fajuta: a primeira reflete a opressão política pelas mãos da maioria da Corte; a segunda explica o modo grandiloquente como a Corte fala sobre o que vem fazendo.

Raciocínio semelhante nos leva, por fim, ao caso Tagliaferro. Se o STF, o governo e o Consórcio Goebbels de Comunicação não pensam sobre Tagliaferro, tampouco suas denúncias cabem no âmbito das coisas pensáveis... Não, não são sequer descartadas; elas, simplesmente, não existem. Putz!

*Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Este texto, não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova. 

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