Momento do contato

*Felipe Pereira


 Jully estava sentada em um banquinho. Seu trailer estava estacionado à margem da rodovia. Fazia algum tempo que ela queria conhecer mais o estado do Texas, pois ela não havia viajado muito em toda a sua vida. Quando completou a idade necessária, tirou a habilitação e, com a ajuda dos pais e da poupança que eles fizeram para ela, Jully conseguiu comprar um pequeno trailer para sua aventura.

Jully não quis entrar para a faculdade, ela ajudava os pais com o comércio de roupas deles. O sonho de Jully era conhecer mais do seu estado, e finalmente ela o estava realizando.

Ela não iria passar a noite na rodovia; perto do local onde ela se encontrava, havia uma cidadezinha. Nesta cidade tinha um posto de gasolina com um pátio enorme para caminhoneiros. Jully estacionaria ali seu trailer para poder dormir. O que fez ela se afastar das luzes da cidade foi para ver melhor as luzes do céu. Ela queria ver as estrelas sem a poluição visual da cidade. Jully amava o céu noturno. Quando ela era pequena, seu pai sentava com ela na varanda de casa e contava histórias com os desenhos formados pelas estrelas. Aquelas histórias eram mágicas para a pequena Jully; ela viajava para lugares fantásticos.

Enquanto ela contemplava o céu noturno sentada em seu banquinho, Jully percebeu uma estrela brilhando forte. A princípio, ela apenas contemplou aquele ponto luminoso. No entanto, o brilho foi ficando cada vez mais intenso. Ela precisou cobrir os olhos com as mãos, devido à força emitida pela luz.

Foi tudo muito rápido; assim que a luz brilhou com força total, logo ela se apagou. Jully esfregou os olhos, tentando acostumá-los novamente à visão noturna. Por um momento, ela achou que aquela luminosidade toda iria cegá-la.

Quando seus olhos se acostumaram novamente com a escuridão, ela pôde perceber um rastro de fumaça, seguiu-o com os olhos. Ela se assustou com um objeto caído a mais ou menos uns cem metros de onde ela estava. Devido à distância, ela não reconheceu muito bem o que era aquele objeto. Inicialmente ela achou que era um pequeno avião, então correu para o local da queda; enquanto corria, pegou o celular e ligou para a emergência.

Ela ainda falava com a atendente quando seus olhos avistaram uma criatura partida ao meio. Era um ser estranho, diferente de tudo que Jully já havia visto.

— Alô! Ainda está na linha? — perguntou a atendente do pronto-socorro.

 Jully demorou alguns segundos para responder, tamanho era seu espanto.

— Ah, sim! Estou aqui. — Jully conseguiu responder.

— Pode me dizer qual é a situação? Tem vítimas?

— Ah, sim, tem — Jully disse.

Após passar sua localização e desligar o telefone, Jully continuou perplexa. O que era aquela criatura? Ela se indagava.

Ela se abaixou e tocou a cabeça do ser. Pelo que Jully averiguou, aquela criatura não devia ter mais do que um metro. A nave parecia um drone grande, meio retangular, meio oval nas pontas. Era difícil saber, o objeto estava muito danificado.

Não demorou muito para ela ver luzes na estrada e barulho de carros se aproximando. Em dez minutos Jully já não era a única pessoa ali. Muitos olhares curiosos foram a afastando do ser e do objeto. Em meia hora, um helicóptero do Exército pousava e retirava à força aqueles que insistiam em permanecer ali. Com auxílio da polícia, os celulares dos presentes foram confiscados. Houve protesto geral; quem se negava a entregar tinha o aparelho tomado de maneira brusca.

Jully se afastou daquela confusão. Ela chegou ao seu trailer, havia um homem do Exército vasculhando lá.

— Ei, o que você está fazendo? — Jully protestou.

— Você é a proprietária? — perguntou o soldado.

— Sim, sou.

— Foi você quem chamou a emergência?

— Sim. — Jully respondeu secamente.

— Você viu como aconteceu? — o soldado quis saber. 

— O quê?

— Não se finja de besta. Quero saber o que você viu da queda.

— Apenas uma luz e depois aquele negócio esquisito! Afinal, o que é aquilo?

— Um balão meteorológico.

— E aquela criatura?

— Infelizmente, uma criança que estava no lugar errado, na hora errada.

— Não me parecia uma criança — Jully questionou.

— Não interessa o que te parece ser. Dá o fora!

Jully organizou rapidamente suas coisas e partiu. Ela estava chateada e acelerou fundo.

Quando ela estacionou no posto de gasolina, estava uma grande aglomeração, todos comentando sobre o ocorrido. Ela desceu do trailer, foi até o restaurante do posto e comeu alguma coisa.

Quando ela retornou, se assustou pela segunda vez naquela noite. Uma pequena criatura, semelhante àquela que estava morta, estava revirando seus pertences. Jully sufocou um grito. Quando a criatura a viu, escondeu-se embaixo do banco do carona.

— Tudo bem, não vou machucá-lo. Está com fome? — ela tentou tranquilizar aquele pequeno ser.

Jully foi até seu frigobar e pegou uma barrinha de chocolate.

— Aqui, pode comer.

A criatura saiu de debaixo do banco e pegou o chocolate. Devorou tudo de uma vez só. Vendo-a agora, Jully achou a criatura parecida com uma criança, tirando o fato de ter quatro olhos, não ter nariz e uma boca com uma língua bifurcada. Aquele ser vestia uma espécie de macacãozinho com muitos bolsos.

— Obrigado! — disse a criatura.

— Você fala minha língua? — perguntou Jully espantada.

— Não, mas nas missões intergalácticas precisamos de tradutor. Para a diplomacia. Mas seu planeta é selvagem, fomos atacados sem ter a oportunidade de estabelecer contato.

A pequena criatura sentou-se no chão do trailer. Jully trancou a porta e sentou-se ao lado da criatura.

— Você tem nome? — ela quis saber.

— Antennae. O outro que morreu era o Seyfert.

— Sinto muito pela sua perda.

— Eu também.

— Como vocês foram atingidos?

— Enviamos sinais de rádio para comunicação quando chegamos na órbita terrestre. Achamos que seria seguro se aproximar; foi quando adentramos o espaço aéreo e começamos a ser bombardeados. Se estivéssemos com a nave matriz, conseguiríamos evacuar rapidamente para outro sistema estelar, mas estávamos com uma nave de reconhecimento. Ela é rápida, mas subestimamos as naves terrestres. Poderíamos acionar o sistema de invisibilidade, entretanto uma falha mecânica, causada por um descuido de verificação de Sevfert, fez com que fôssemos reconhecidos. Tentamos fugir o mais rápido que pudemos, mas acabamos caindo.

— Como você conseguiu entrar no meu trailer? Aquele soldado estava revistando-o.

— Eu o esperei sair; quando ele disse que você poderia ir, aproveitei para subir a bordo.

— Como você vai voltar para casa?

Ele tirou uma pequena peça de um dos bolsos e mostrou a Jully.

— Esse é propulsor portátil. Eu só preciso de um lugar tranquilo para acioná-lo. De preferência um lugar desértico, porque esse propulsor de emergência tem alta velocidade e sua partida pode causar danos a tudo que estiver ao redor devido à combustão potente.

— Mas isso não pode te machucar?

— Não, esse traje me protege, ele é próprio para isso.

— Eu vou te ajudar — disse Jully.

Ela viajou por horas até chegar ao deserto de Chihuahua. No caminho, Jully foi aprendendo sobre outras galáxias e sistemas estelares. Existiam sistemas complexos que usavam a energia de sua estrela como fonte de iluminação saudável, sem toda poluição que possuía a Terra. A missão de Antennae era trazer tecnologias para que a Terra pudesse se desenvolver, como muitas vezes fizeram outras civilizações intergalácticas no passado; era uma questão ética que civilizações mais tecnológicas ajudassem civilizações primitivas a evoluir. Apesar de ele achar a Terra selvagem, existiam outros planetas com criaturas muito menos evoluídas.

Quando eles chegaram ao local, Antennae pediu para Jully se afastar para um raio de no mínimo três quilômetros. Ele a agradeceu e deixou uma caixa como presente.

Jully afastou-se para uma distância segura. O dia estava amanhecendo quando ela viu um pequeno ponto de luz subindo como foguete para o céu. Quando ele atingiu uma altura significativa, a penumbra ajudou-o a se camuflar.

Jully acenou em despedida para cima. Ela sabia que seu amiguinho extraterrestre não veria. Mas ela não se importou, vivera em uma noite a melhor aventura de toda uma vida. Ela alisou carinhosamente a caixa que Antennae lhe deu; a caixa vibrou e se transformou em uma réplica perfeita em 3D do sistema solar. Jully sorriu e seguiu viagem. Ela estava tão radiante quanto o pequeno sol que estava em suas mãos.

*Formado em psicanálise pelo Instituo Brasileiro de Psicanálise Clínica, atua como psicoterapeuta e é pós-graduado em Psicologia Organizacional

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova.

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